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segunda-feira, 10 de junho de 2013

Violência nas Escolas - Kátia Simone Benedetti

Amigos e amigas do blog, seres pensantes tal eu mesmo: pedi permissão para a amiga Kátia Simone Benedetti para reproduzir na íntegra sua entrevista dada ao Jornal de Itatiba Diário, sobre a questão da violência nas escolas, que ela, como professora a mais de 15 anos, tem experiência de sobra para dissertar. O fruto de sua experiência será documentado num livro, que farei questão de divulgar a data de lançamento e maiores detalhes no momento oportuno.
JGCosta


Clique na imagem para ver de onde ela veio!


Prezados colegas professores:

Gostaria de compartilhar com vocês o conteúdo integral que disponibilizei ao JI (Jornal de Itatiba Diário) sobre a questão da violência nas escolas. Faço isso porque sei que as condições de trabalho dos professores estão cada dia mais difíceis e acredito que nossa sociedade não pode mais fazer vistas grossas nem ao problema da violência descontrolada e muito menos às suas causas, que certamente remetem ao caos da educação pública brasileira.

1 - Seu nome completo e profissão?
Kátia Simone Benedetti, professora efetiva de Língua Portuguesa da rede municipal de ensino de Itatiba/ SP.

2 - Segundo pesquisa do Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (Apeoesp), 44% dos professores estaduais já sofreram algum tipo de violência nas escolas. E 4 a cada 10 professores consideram a escola em que trabalham violenta. Como você avalia a situação geral da violência sofrida por professores nas escolas?
A violência praticada e sofrida por pré-adolescentes, adolescentes e adultos jovens tem aumentado significativamente no Brasil nas últimas duas décadas (coincidentemente depois da implantação do ECA). E, justamente porque esse aumento vertiginoso da violência relaciona-se a essa faixa etária, a escola tornou-se um dos espaços sociais que mais sentem essa transformação negativa da sociedade brasileira. Parece-me que a escola pública brasileira deixou, há muito tempo, de ser um espaço social destinado à formação intelectual dos alunos. Devido às concepções teórico-educacionais que vigoram no país e a políticas assistencialistas, a escola pública brasileira se parece mais com um local de acolhimento e abrigo de crianças e jovens, que um local de aprendizado formal. Isso certamente tem permitido que muitos comportamentos agressivos, por parte de alunos e pais, aconteçam dentro e diante dos portões da escola, sem que esta última tenha a quem recorrer. Se antes os casos de negligência em relação aos estudos e os de indisciplina grave eram tratados com muita seriedade por parte da família e da sociedade, atualmente isso não ocorre mais. Pelo contrário. Existe uma inversão total de valores que faz com que, no Brasil, tudo seja socialmente “organizado” – desde os discursos educacionais, os órgãos de apoio psicossocial e pedagógico à escola, até a legislação e as políticas públicas que mantém o sistema nacional de ensino – de maneira a retirar todo o valor e, por tabela, toda a autoridade da escola e de seus profissionais (diretores, coordenadores e professores). Essa situação social tem sido intuída pelos maus alunos (e maus pais) e eles têm, cada vez mais, se aproveitado dessa fragilidade para agir como bem entendem no ambiente escolar. E aqui não me refiro em absoluto a alunos com problemas de aprendizagem. Maus alunos para nós, professores, são aqueles que, além de não desejarem aprender, dificultam ao máximo o processo de ensino aprendizagem em sala de aula, devido aos seus comportamentos egocêntricos e mal-educados. Dessa forma, a escola não só está socialmente fragilizada, como, ainda por cima é responsabilizada e cobrada a resolver o problema. Com isso perdem os bons alunos (aqueles que desejam aprender) e os bons profissionais da educação brasileira (aqueles que desejam ensinar e administrar suas unidades escolares com seriedade e dedicação). Não é de se estranhar, portanto, que a Educação no Brasil tenha se transformado num “barco em situação de naufrágio”, isto é: todo mundo quer “pular fora”, ninguém mais quer entrar e os que precisam permanecer vivem em estado de “suportar”, de “aguentar o tranco” até quando a saúde física e psicológica permitir. Os cursos de licenciatura aos poucos fecham as portas e a falta de professores – principalmente dos bons professores – tem afetado cada vez mais as escolas.

3 - Em sua opinião, o que seria necessário para a situação mudar?
Acredito que a essência das mudanças deve acontecer em profundidade no âmbito legal: mudanças na legislação educacional, de maneira que a escola pública seja resgatada em seu papel de instituição social destinada a formar intelectualmente os cidadãos, e não apenas destinada a “acolhê-los” e mantê-los lá a qualquer custo; mudanças na legislação que rege e fiscaliza as instituições formadoras e capacitadoras de docentes – principalmente as particulares – de maneira que não possam mais funcionar apenas segundo os critérios do lucro, mas que sejam efetivamente cobradas a se comprometer com a Educação nacional; mudanças nas políticas públicas educacionais, de maneira que as escolas públicas tenham infraestrutura e profissionais de primeiríssima qualidade e não apenas vagas; mudanças na legislação civil e penal, de maneira que os brasileiros sejam, de fato, responsabilizados pelos seus atos. Isso não apenas em relação a crimes, mas, principalmente, em relação à maternidade/paternidade responsável. O Brasil precisa, com urgência, de políticas de planejamento familiar e educação familiar, no sentido de orientar os jovens a ter consciência de que a paternidade/maternidade é a principal tarefa que um ser humano pode assumir na vida. Hoje as escolas vivem e convivem com a terrível realidade de receber crianças e jovens cuja vida familiar é catastrófica, triste, violenta, abusiva, carente de todo tipo de afeto, orientação, bons exemplos. Muitos pais não têm as mínimas condições emocionais, psicológicas e morais para ter filhos. E não falo aqui de condições financeiras. Falo de atenção, de afeto, de cuidados básicos, de disponibilidade amorosa para com os filhos. Posso parecer piegas, mas acredito piamente que a criança humana, devido à sua própria natureza, precisa crescer sob as vistas e os cuidados intensivos da família, principalmente da mãe até, pelo menos, seus 8–10 anos de idade. Sinto muito que nossa sociedade tenha se transformado de tal maneira que a criação dos filhos – que, pela natureza, deve ser feita pelos pais – está sendo cada vez mais terceirizada, atribuída às instituições sociais (berçários, creches, escolinhas e escolas), desde tão cedo! Entristece-me que poucos pais se incomodem por fazer isso, achando natural que seus filhos sejam cuidados e educados, na maior parte do dia, por estranhos e não por eles mesmos. Além disso, é necessário também que aspectos culturais sejam mudados no Brasil. Infelizmente somos um país no qual o individualismo e as leis do menor esforço, da vantagem a qualquer custo, da não-frustração são imperativos que orientam o comportamento das pessoas em todos os âmbitos. A noção de bem-comum, de coletividade é praticamente nula, inclusive entre as pessoas de vida pública, como os políticos (e que deveriam ser o exemplo para o povo). Por isso, a convivência e a organização de ambientes coletivos, como os da escola e da sala de aula, têm sido tão difíceis no Brasil. Para que qualquer trabalho coletivo aconteça de maneira razoável é necessário que muitas vontades individuais sejam suplantadas. E, infelizmente, as novas gerações de brasileiros não sabem disso e não querem isso, pois não recebem mais esse tipo de orientação em casa e não são expostas a bons exemplos na vida pública, pelo contrário! Vêm para a escola com a concepção de que essa instituição pública tem por obrigação suprir todas as suas necessidades e carências, sendo sempre acolhedora e tolerante... De minha parte, acredito que a educação não pode mais ser apenas um “direito do cidadão e um dever do Estado”. Ela também deve ser um dever do cidadão e um direito da sociedade. Todo brasileiro deveria, desde cedo, ser orientado de que, da mesma maneira que deve cumprir seus outros deveres sociais, deve também cumprir com seu dever cívico de estudar para o seu país.

4 - Na sua visão, o que ouve falar e experiência, quais as violências mais sofridas pelos professores? O que os professores, em geral, consideram violência nas escolas?
As agressões verbais, os xingamentos, as ofensas, as ameaças e as gozações são, de longe, o tipo mais comum de abuso contra os professores e o que eles mais sentem. É muito difícil um professor passar um único dia sem ouvir algum xingamento, alguma grosseria. Mas os alunos não ofendem apenas os professores. Entre eles, chamam-se por apelidos ofensivos, falam palavrões pesados uns para os outros – isso mesmo em sala de aula, como se os professores fossem surdos ou insignificantes demais para serem respeitados. Não estão nem aí... Aliás, os professores é que precisam se adaptar ao vocabulário desses jovens. Por exemplo: qualquer substantivo hoje é substituído pelo termo “bagulho” (com a pronúncia “uio”). Prova é bagulho, trabalho é bagulho, caderno, lápis, borracha... O que se percebe é que os alunos não sabem mais fazer a distinção entre o vocabulário que deveriam usar dentro da sala de aula e aquele que podem usar com seus colegas, do lado de fora da escola. Quanto à violência física contra professores, por parte de alunos ou pais, toda semana tenho conhecimento de um ou outro caso, dentro ou fora das escolas. A maioria desses casos não é daqui da cidade e fico sabendo deles por meio dos noticiários e sites de notícias na internet. Aqui em Itatiba esse tipo de violência parece ser esporádica, não tão frequente. Parece-me que, em nossa cidade, os casos de violência física nas escolas tem se dado mais entre os próprios alunos que entre alunos e professores.

5 - Já soube de fatos de professores próximos a você que sofreram algum tipo de violência, como agressão verbal, física, falta de educação por parte dos alunos, bullying, entre outros? O que aconteceu (não precisa citar nomes, locais e nem nada que possa identificar a origem. Apenas os fatos para exemplificar)?
Sim. Agressões verbais, xingamentos, ofensas e difamações são diários na vida dos professores itatibenses. Também sei de colegas cujos alunos agressivos “avançaram” neles quando foram questionados sobre a realização de atividades, lições, sobre a indisciplina em sala de aula. Esses colegas relatam que os empurrões nas carteiras, as caras feias bufantes, os pés batendo no chão e as ameaças foram os principais comportamentos. E é muito comum também que seus pais os acobertem. Já passei por uma situação na qual um aluno, bufando de raiva, simplesmente rasgou um trabalho e jogou os pedaços no lixo da sala de aula porque eu me recusei a recebê-lo fora do prazo de entrega – o que, aliás, é uma norma da escola que eles conhecem e que deve ser seguida por todos: alunos e professores. Mesmo assim esse aluno sentiu-se “no direito” de se zangar quando não conseguiu burlar a regra!

6 - Comente sobre seu livro, o título já está definido? Comente o trecho que fala sobre a violência nas escolas, de forma geral.
Sim, o título será: A Dignidade Ultrajada: ser professor do ensino público brasileiro nos dias atuais. A editora é a Barra Livros, do RJ. De uma maneira geral, o livro é um manifesto em defesa dos bons professores, da escola e dos bons profissionais da escola (diretores e coordenadores). Ele faz uma análise dos principais problemas que hoje dificultam o trabalho em sala de aula, a partir da perspectiva da Psicologia Evolutiva e Antropologia Darwinista (que consideram o repertório comportamental específico da nossa espécie). No livro também discuto alguns aspectos da cultura social brasileira e da nossa legislação, que também considero como responsáveis pelo desmantelamento do ensino público no país. Esse trabalho nasceu de minha experiência como professora, ao longo dos últimos 15 anos e que culminou, em novembro de 2011, com minha admissão e demissão (voluntária) do antigo NAPE (Núcleo de Apoio Psicopedagógico da rede municipal). Mas não se refere apenas à minha experiência pessoal. Do contrário, parecerá que falo de Itatiba. Não. Falo da situação geral do ensino público em nosso país. E essa visão geral começou a me ocorrer durante meu mestrado em educação musical (2007-2009), época em que passei a conhecer com profundidade as principais abordagens teórico-educacionais que vigoram no Brasil. Foi aí que percebi a amplitude do problema: a Educação brasileira tem sido feita e gerida por teóricos e profissionais “de apoio psicopedagógico” que desconhecem as principais áreas que atualmente realizam estudos científicos sobre o comportamento humano. Pode-se dizer com bastante segurança que, no Brasil, nas áreas de Pedagogia, Psicologia e Psicopedagogia imperam teorias e abordagens desatualizadas – pra não dizer alienadas – sobre a natureza humana e sobre como o cérebro humano aprende. É mais fácil que muitos desses profissionais fundamentem sua prática em livros “cor-de-rosa” de auto-ajuda que em literatura científica. Esses discursos, na prática, desautorizaram a escola a ensinar, a instruir, a transmitir conhecimentos. Enquanto as escolas particulares permaneceram instituições sociais destinadas a instruir intelectualmente e preparar os alunos para desafios acadêmicos, a escola pública tornou-se apenas um espaço social de cuidados básicos, uma mantenedora de crianças e jovens. Existem, pois, dois universos na Educação brasileira: o confortável e feliz universo teórico-acadêmico, das publicações, das orientações, das formações de docentes, do palavreado rebuscado e o universo concreto das salas de aula, ao mesmo tempo em que a Educação nacional é um campo de guerra entre os profissionais “de gabinete” (acadêmicos) e os da “linha de frente” (de dentro da escola). Se, por um lado, já tive experiências maravilhosas na docência, como, por exemplo, o Projeto Municipal de Flautas, por outro, verificar a dinâmica de funcionamento das diversas instâncias do ensino público brasileiro – salas de aula, unidades escolares, órgãos de “apoio”, órgãos administrativos, legislação, políticas públicas, instituições acadêmicas – levou-me a tentar discutir por que permitimos que a Educação pública brasileira chegasse aonde chegou. O livro está na fase final de preparação. Espero poder lançá-lo aqui em minha cidade e contar com seu apoio. Espero também que, de alguma maneira, ele seja acolhido por representantes públicos que desejem sinceramente trabalhar pela melhoria da educação brasileira. Afinal, sem Educação um país não pode avançar, nem no aspecto econômico e muito menos no aspecto humano, da civilidade. E me parece que a sociedade brasileira está, aos poucos, perdendo a civilidade. O Brasil está se tornando um país onde imperam apenas as vontades individuais e, com elas, o vale-tudo. Isso é muito perigoso! Está saindo do controle, a ponto de não sermos mais capazes de organizar um evento público como a Virada Cultural sem que aconteçam barbaridades. Educação é tudo. É só por meio dela que podemos transformar e transcender as características negativas do repertório comportamental básico da nossa espécie, tão egoísta!

"Não é o conhecimento que é perigoso, mas sim a ignorância."
François Jacob - Prêmio Nobel de Medicina

Um comentário:

  1. Realmente educação é tudo na vida, mas ela vem de casa.
    Asco,a ensina não educa.
    Abraço Lisette

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